Divulgação
O Clube fechado - Crônica - Denison Lemos
Normalmente o mais sábio é fugir das
normas, mas normalmente desenhistas e escritores tiveram momentos na infância e
na juventude de uma solidão natural, não melancólica mas contemplativa da vida,
do momento, do passado ou do futuro mas é recorrente ouvir histórias desses
caras dizendo que não tinham uma turma, ou eram amigos de todo mundo ou não se
identificavam muito com ninguém a ponto de renunciar a uma filosofia ou abraçar
outra, são espíritos livres e mentes abertas de olhos contemplativos e corações
compassionais.
A idéia de pertencer a um grupo sempre
fez parte das grandes ambições humanas, muitos não se importam nem em estar de
acordo com o que proporciona o bem a todos os seres desde que se esteja de acordo com os ideais do grupo ao
qual pertencem, mais uma justificativa para a solidão consciente da qual tantos
criativos fazem por companheira, uma mente livre não se prende muito tempo a
nenhum conceito pois entende e aceita a impermanência das coisas.
Os grupos fazem sucesso pois representam
a combinação de muitas forças em prol de um objetivo comum, quando um grupo
poderoso se junta pra lutar é praticamente impossível vencê-los, os X-men, os
Power Rangers ou os Cavaleiros do Zodíaco são bons exemplos... E quando o
sujeito trabalha sozinho mas é muito bom tipo o Batman ou o Superman, ele se
torna um líder e forma um novo grupo de seguidores ou se junta a outros caras
fortes que também trabalham sozinhos e também inspiram seguidores e assim vão
se formando as conexões de prestígio, de influência e poder. Mas isso não é o
mais importante nas formações dos grandes grupos, ou pelo menos não deveria
ser, o que justifica uma reunião de
pessoas em torno de um objetivo comum é acima de qualquer outro valor , o
conhecimento que é compartilhado, este e o verdadeiro poder e a verdadeira
riqueza, quando mentes iluminadas se unem para divulgar, relembrar,
compartilhar ou celebrar o conhecimento, dividir, somar e multiplicar as idéias
de suas mente e inquietas às idéias das mentes dos seus semelhantes,
envolver-se nas ideias alheias e desapegar-se das suas próprias, trocar ideias,
e pra isso que servem os grupos de conhecimento
É sempre uma honra participar de uma
produção editorial, ainda mais se leva o nome do meu amigo Rafael Spaca, meu
parceiro de produções criativas.
Cheguei à Ugras, uma discreta loja de
quadrinhos na galeria de numero**** na rua Augusta.
Chego com o evento já começado mas não
vejo ninguém até que descubro que a maioria já chegou, que estou sendo
aguardado e só preciso descer as escadas em espiral que levam ao andar de
baixo.
O espaço é pequeno para a quantidade de
pessoas, quase todos conhecidos, muitos eu já tinha desenhado mas ainda não
tinha visto pessoalmente.
Paredes brancas com prateleiras pretas
cheias de livros, quadrinhos e publicações das mais variadas, profissionais e
independentes, consagradas e iniciantes, todas com o mesmo objetivo, contar uma
boa história.
As paredes eram cobertas com desenhos em
preto e vermelho, em um telão um corvo preto anuncia o início do evento,
seguido de cenas da publicação que estava sendo lançada, razão desta reunião e
da presença de tantas pessoas ilustres.
Aproximo-me da mesa principal e tomo meu
lugar ao lado do grande homenageado e autor da obra literária que está sendo
lançada no dia em questão. Cada lançamento de um novo livro é um momento mágico
na infinita história do Universo e um capítulo a mais na eterna história dos
homens da Terra. Se o lixo é o receptáculo da nossa história, se chafurdamos o
lixo dos nossos antepassados para entender melhor o lixo no qual vivemos hoje,
o que pensar de um objeto que deixa um registro histórico para as futuras
civilizações em forma de livro, de documento histórico ao invés de apenas lixo,
só pra variar. É perfeitamente compreensível e pouca a pompa em torno do
lançamento de um livro ou história em quadrinho se comparado à estreia de um
espetáculo teatral que muitas vezes foi concebido a partir de um livro, de um
filme no cinema que antes precisou ser um roteiro, de um desenho animado que
passou por um storyboard ou foi baseado num personagem dos quadrinhos ou ate do
um lançamento do novo álbum de um astro do pop ou do Rock que antes de ser
escrito e planejado, estruturado e organizado, foi imaginado e sentido por
alguém que teve uma grande necessidade de compartilhar aquilo com outras
pessoas, buscar o entendimento dos semelhantes ou a explicação racional dos
contestadores para suas dúvidas existenciais e bloqueios criativos. Criar é
abrir a porta do mundo interior das emoções, encarar os sentimentos e desvendar
as mensagens que o movimento intelectual organiza, apresentar as conexões que a
combinação de tantas ideias produziu.
Spaca de vermelho ao centro, tendo ao seu
lado direito Bira Dantas de camisa xadrez preta e branca e eu sem prévia
combinação de camiseta Branca, todos representando a dualidade da luz e das
sombras no claro e escuro mas com o
vermelho que é a cor do sacrifício fortemente presente naquele que dedicou seu
trabalho, tempo e dedicação ao projeto, ou seja, o próprio autor.
Mas eu ainda sentia falta de alguém, uma
pessoa específica com quem eu havia combinado de me encontrar nesta reunião. A
atriz Zuzu Leiva que faz a Bruxa do Chocolate e viria justamente para conversar
comigo e com o Spaca sobre nossos projetos em comum e eis que surge Zuzu
vestida de vermelho da cabeça aos pés, como uma sacerdotisa adentrando ao
grande templo do conhecimento e da produção cultural, se oferecendo como uma musa em sacrifício a
um novo projeto, uma nova concretização da manifestação criativa da mente de
alguém, que é a função primordial do ator, ceder o próprio corpo para que um
personagem possa viver e contar ou recontar um história. A atriz estava
presente.
Não é por acaso que os mistérios das
sociedades herméticas geram tanto assunto entre os detentores da produção
criativa, tudo o que envolve um pouco de exclusividade seduz qualquer um que
ainda não tenha sido iniciado.
Para aumentar a similaridade com uma
típica missa negra, após um breve bate papo de abertura de trabalhos onde ao
invés de cânticos ritualísticos, foram relembrada histórias e comentadas situações pelas quais passam todos os
integrantes da sociedade reunida no local e após tantas evocações e
invocações, surge o grande representante
de todos os presentes, o líder natural e integrante mais antigo de todos os
iluminados que ali estavam, tanto novos quanto antigos. Aquele que tudo vê e sabe dizer o que é e o que nao é,
como um Belzebu adentrando o recinto,
Álvaro de Moya, acompanhado por seu séquito, todos o reverenciam e
continuaram a cerimônia que ainda reservava mais uma curiosa surpresa, a
presença da jovem autora Bárbara Nágel que juntamente com o Spaca, eu auxilio
no preparo de sua publicação de estréia que se trata de nada menos que um
roteiro que sugere a destruição do planeta Terra. Bárbara chega ao evento
acompanhada do irmão mais novo e dos pais oferecendo a própria filha aos
mistérios do mundo da produção cultural, recebida no fechado porém não tanto
quanto parece, “clube”. A virgem que se transforma em musa e que de musa se
tornará também uma sacerdotisa do conhecimento, levando a luz de sua
criatividade aos escuros corações e mentes vazias, famintos por diversão,
conhecimento e influência, todos querem um líder, todos anseiam por alguém para
seguir como modelo e a presença da jovem Bárbara nesta reunião tão hermética de
iluminados confirma o seguimento da tradição que é a produção de livros.
A cerimônia seguiu celebrando a
criatividade, a genialidade e a luz da criação editorial. Imagino que não seja
nada diferente do que acontece numa reunião de uma sociedade secreta.
Texto: Denison Lemos
Nenhum comentário:
Postar um comentário