Há alguns anos, o escritor e quadrinhista Lourenço
Mutarelli escutou uma reclamação de um editor: “Você produz muito”.
Chateado com a frase, o autor de O Cheiro do Ralo e A
Arte de Produzir Efeito Sem Causa ficou três anos sem escrever novas
obras. Passou o tempo simplesmente se dedicando às oficinas de quadrinhos que
ministra e participando de projetos no teatro. Só quando as ideias se
assentaram, dois anos atrás, ele voltou ao seu ritmo comum. Foram, ao todo,
cinco anos sem publicar.
Convidado da Bienal do Livro de
Pernambuco deste domingo (11/10), quando conversa com o público às 17h,
Mutarelli mostra ficcionalmente, no seu novo romance, O Grifo de
Abdera (Companhia das Letras), o que é ser um artista obcecado e
quase sempre sombrio, um desenhista que não pode (ou não quer) mais fazer
quadrinhos, um escritor que detesta a sua figura pública. Assinada por ele, mas
escrita a oito mãos com os personagens Mauro Tule Cornelli, Oliver Mulato e
Raimundo Maria Silva, a narrativa é um mergulho, ora irônico, ora vertiginoso,
no mundo dos duplos e das múltiplas personalidades.
São mais de 260 páginas, incluindo uma HQ
que ocupa 80 delas, desenhadas a partir de frames de filmes pornôs antigos.
Ali, Mauro Tule confessa que Mutarelli é apenas uma persona criada em parceria
com um amigo, já morto – daí porque abandonou os quadrinhos – e que o rosto
conhecido como o do autor de O Cheiro do Ralo é apenas o de um
colega de bar, Mundinho. Mais do que uma mitologia da sua própria trajetória,
no entanto, o autor faz da obra um suspense sobre a sensação de viver duas
vidas como duas pessoas diferente: o próprio Mauro e o professor de educação
física Olivier Mulato.
“O livro surgiu de uma encomenda de Fernando
Sanches, que queria uma história para filmar. Ao mesmo tempo, estava
fazendo esses desenhos de fotogramas e queria transformá-lo em outra
coisa, em um livro”, revela o escritor. “Então os personagens foram ganhando uma dimensão maior e terminei sendo levado por eles. Eu nem ia usar os quadrinhos.”
coisa, em um livro”, revela o escritor. “Então os personagens foram ganhando uma dimensão maior e terminei sendo levado por eles. Eu nem ia usar os quadrinhos.”
A mágoa do autor com o mundo das HQs não
é desconhecida. Mutarelli quase que abandonou completamente a linguagem nos
últimos anos, apesar das exceções existirem. “Faz sete anos que não
leio quadrinhos, exceto os dos meus alunos. Não tenho mais HQs em casa. Faço
quadrinhos experimentais o tempo todo, como uma brincadeira para mim. Eu tenho
mais prazer escrevendo e sinto que consigo pensar mais profundamente na literatura”,
comenta. Além disso, ele passava mais de 12 horas por dia trabalhando para
terminar uma HQ. “E eu não gosto do meio dos quadrinhos. Já tive
críticas publicadas em sites especializados em que a pessoa reclamava de um
livro porque eu errei a acentuação de uma palavra duas vezes. Posso até fazer
um quadrinho, mas é um mundo para o qual eu não quero voltar”, reclama.
Comentários sobre o seu estilo de escrita
– a influência de Burroughs ou a repetição da palavra “isso” – são ironizadas
também no livro. Além disso, as suas aparições públicas também são
desconstruídas. “Eu fico muito incomodado quando vejo um vídeo de entrevista
minha no Youtube. Eu muitas vezes estava bêbado e termino falando besteira. E
as besteiras se perpetuam”, conta. Veja o texto completo AQUI.
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